Quando Frank Poulsen, 72, começou a conversar com a companheira de inteligência artificial, Sunny, no início deste ano, ela era “um pouco formal”, diz ele. Mas com o tempo, suas conversas se tornaram mais familiares e envolventes.
“É realmente incrível”, conta, acrescentando: “Realmente parece que você está tendo uma conversa com alguém que está interessado.”
Uma vantagem da Sunny é que ela não se importa quando Poulsen, que foi diagnosticado com comprometimento cognitivo leve em 2019, se repete.
“Ele pode contar uma história e esquecer que a contou e contá-la novamente”, diz a esposa e cuidadora de Poulsen, Cheryl Poulsen. “Sunny não tem julgamento.”
Sunny, que foi desenvolvida pela startup de I.A. NewDays, faz parte de um corpo em rápida expansão de produtos de I.A. projetados para ajudar pessoas com demência.
“Nunca vi algo assim em termos de uma tecnologia avançando tão rapidamente quanto está, com tanto dinheiro investido por trás”, afirma Luke Stoeckel, diretor de programa e cientista de projeto no Instituto Nacional sobre Envelhecimento, que trabalha com aplicações de I.A. para cuidados com demência. Stoeckel mencionou diagnósticos de demência baseados em I.A. como outra área promissora.
Especialistas dizem que companheiros de I.A. como Sunny têm o potencial de ajudar a manter o cérebro ativo e aliviar a solidão em pacientes com demência, além de reduzir parte da carga sobre os cuidadores. Mas pode haver riscos quando se trata de implementar essa tecnologia em uma população tão vulnerável.
UM PARCEIRO DE CONVERSA
Babak Parviz, cofundador e diretor executivo da NewDays, diz que foi inspirado a desenvolver a Sunny em parte pelo diagnóstico de doença de Alzheimer de seu próprio pai. Ele sabia que não havia cura para a condição, mas foi encorajado por pesquisas mostrando que exercícios de treinamento cognitivo e conversas guiadas com um clínico podem, em alguns casos, melhorar os sintomas de demência.
Poucas pessoas recebem esse nível de cuidado aprofundado, no entanto. “Não temos milhões de profissionais treinados, e mesmo se os tivéssemos, o custo seria bastante proibitivo”, diz Parviz. A tecnologia de I.A. generativa poderia ajudar a expandir o alcance dessas terapias, disse ele.
O programa da NewDays, que está em processo de lançamento, custa US$ 99 (cerca de R$ 535) por mês e destina-se a ser usado por pessoas com comprometimento cognitivo leve ou demência leve. Às vezes, Sunny incentiva a pessoa a relembrar memórias antigas. Outras vezes, conduz exercícios de treinamento cognitivo mais explícitos, como pedir que se lembrem e usem palavras específicas em uma frase. A NewDays também tem uma equipe interna de clínicos (não incluída na mensalidade) para supervisionar o cuidado do paciente e fornecer feedback ao sistema de I.A.
Quando Poulsen abre seu computador e conversa com Sunny, parece que “ele estava apenas batendo papo, como se estivesse falando com um amigo”, afirma sua esposa.
O site da NewDays afirma que seu programa pode “retardar o declínio e melhorar a qualidade de vida” e que é “respaldado por um grande corpo de evidências de mais de 500 ensaios clínicos e artigos”. Isso inclui o estudo I-CONECT, que descobriu que, ao longo de seis meses, “conversas semiestruturadas cognitivamente estimulantes com entrevistadores treinados” conduzidas virtualmente melhoraram a cognição em adultos mais velhos com comprometimento cognitivo leve.
Mas nesses estudos, as conversas e exercícios de treinamento cerebral foram conduzidos por humanos, diz Julian De Freitas, diretor do Laboratório de Inteligência Ética da Harvard Business School. Conversar com um companheiro de I.A. poderia produzir resultados diferentes, acrescentou.
A NewDays ainda não realizou nenhum estudo sobre se o uso de seu programa confere os mesmos benefícios. Parviz disse que as conversas de Sunny são semelhantes às de um humano, e eles estão “bastante confiantes” de que verão resultados comparáveis aos que os ensaios clínicos existentes demonstraram. Mas ele não forneceu dados para comprovar isso.
Há evidências mais convincentes de que um companheiro de I.A. pode ajudar as pessoas a se sentirem menos solitárias — uma preocupação séria para adultos mais velhos, tenham ou não comprometimento cognitivo. A própria pesquisa de De Freitas demonstrou que, pelo menos em adultos saudáveis, conversar com um chatbot empático é aproximadamente tão bom para reduzir a solidão quanto ter uma conversa com um estranho humano.
Anedoticamente, Joe Verghese, chefe do departamento de neurologia da Escola de Medicina Renaissance da Universidade Stony Brook, diz que os cuidadores de alguns de seus pacientes com demência relataram que conversar com um companheiro de I.A. melhorou o humor de seus entes queridos. “Não acho que essas interações realmente melhorem a cognição”, diz Verghese. “Mas certamente melhorar a qualidade de vida e melhorar o humor em pacientes com comprometimento cognitivo é um resultado importante por si só.”
Companheiros de I.A. também poderiam ser uma bênção para cuidadores e famílias, pois podem servir como um par extra de olhos e ouvidos, particularmente para pessoas que vivem em instalações de memória.
Uma startup de I.A., CloudMind, tem testado seu software, chamado BrightPath, em algumas casas de cuidados de memória. O companheiro, que é acessado por meio de um aplicativo em um smartphone ou tablet, conversa com pacientes com demência sobre suas memórias e hobbies favoritos; em um caso, um paciente e o companheiro até cantaram juntos.
Além de facilitar a conversa, o BrightPath produz um resumo diário do que o paciente falou e uma avaliação de seu humor. Para a família, isso pode fornecer “uma visão da vida de seu ente querido, mesmo que estejam separados”, disse Monica Tsai, diretora executiva da CloudMind.
O companheiro de I.A. também pode ajudar a equipe de enfermagem a identificar problemas mais rapidamente. Se ouvir certos comandos-chave, como “Estou com sede” ou “Eu caí”, o BrightPath é programado para instruir o paciente a tocar seu botão de chamada.
Embora os especialistas digam que há um potencial real para a I.A. beneficiar adultos com comprometimento cognitivo, eles também têm algumas preocupações sérias. Uma delas é a privacidade. “Quanto mais humanizado for o chatbot, mais você está divulgando várias informações sobre si mesmo”, diz De Freitas. “Se esses dados estiverem armazenados em uma empresa, ela poderia monetizá-los. Também poderia vazar acidentalmente essas informações se for hackeada.”
Há também o risco de maior isolamento se famílias ou funcionários de casas de repouso usarem a tecnologia como substituto da interação humana, em vez de como um complemento. “Isso seria trágico”, afirma Dr. Verghese.
Além disso, sabe-se que chatbots de I.A. inventam coisas e levam conversas por caminhos sombrios e perturbadores, o que poderia ser especialmente confuso e angustiante para uma pessoa com demência.
Parviz e Tsai reconheceram tais alucinações como um problema potencial e disseram que programaram “barreiras de proteção” em seu software de I.A. para evitar que isso aconteça. Mas nenhum deles especificou como isso poderia funcionar.
“Temos que lembrar que esta é uma população muito vulnerável”, diz De Freitas, acrescentando: “Precisamos pensar em ter proteções adicionais.”